
A vila de Cascais emana invariavelmente uma noção de lazer prazeroso e por isso surge como cenário privilegiado para estórias, personagens e escritores.
Ainda o advento ferroviário do final do século XIX não havia iniciado e já Almeida Garrett se escapulia furtivamente até Cascais, em busca do seu amor proibido, a Viscondessa da Luz.
Com o progressivo esbatimento das distâncias entre a vila e a capital, cada vez mais foram os autores que escreveram sobre Cascais.
Ramalho Ortigão enalteceu as praias e aspropriedades terapêuticas das suas águas, ao passo que Alberto Pimentel se deliciou com a gastronomia local. Para Fernando Pessoa e Maria Amália Vaz de Carvalho, Cascais era um refúgio espiritual reconfortante. Eça de Queiroz reunia os principais intelectuais da sua época em animados jantares na Casa de S. Bernardo. E pese embora a faceta naturalmente descontraída da vila, esta também não podia escapar às principais questões do seu tempo, como nos lembra Ruben A., após ter convivido com vários refugiados da Segunda Guerra Mundial no Chalet Leitão, junto à Baía.
Obrigatório destacar ainda o papel de Branquinho da Fonseca, responsável por aproximar as bibliotecas da comunidade, através do seu reconhecido trabalho enquanto conservador do Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães.
A partir destas múltiplas referências que ligam os livros à vila, nasceu a Rota Literária de Cascais, que pretende constituir-se como um meio de promoção do património literário local.
Esta rota foi desenhada por António Ribeiro, aluno de mestrado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, no âmbito de um estágio que a Câmara Municipal de Cascais lhe facultou.

Banhos de caldas, águas minerais e praias de Ramalho Ortigão
Ao ler Viagens na minha Terra (1846), obra icónica de Almeida Garrett e da história da literatura nacional, o escritor portuense Ramalho Ortigão (1836-1915) sentiu-se impelido a aventurar-se nas crónicas de viagens, género que abraçou apaixonadamente, embora nunca em exclusivo.
Escreveu sobre as suas passagens por Paris, Inglaterra, Holanda e Brasil, mas sempre manifestou uma especial preferência quando essas viagens eram pelas terras de Portugal.
Cascais e Ramalho Ortigão surgem de mãos dadas quando a temática é a praia, quer seja no manual As praias de Portugal: guia do banhista e do viajante (1876), ou em Banhos de caldas e águas minerais (1875), livro sobre a existência de termas e águas terapêuticas em territórioluso.
Juntamente com o seu grande amigo e figura incontornável da língua portuguesa, Eça de Queiroz, assinou As Farpas (1871-82), um conjunto de folhetos icónicos de periodicidade mensal, que faziam um retrato da sociedade portuguesa, muitas vezes satírico, em todas as suas vertentes. Numa delas demonstra enorme satisfação pelas transformações urbanísticas anunciadas para a zona do Estoril.

O Romantismo de Almeida Garrett
Não admira que tenha sido Almeida Garrett (1799-1854), homem de grandes paixões, o responsável por introduzir o Romantismo na literatura portuguesa.
Cascais foi o cenário privilegiado da história de amor proibida entre Almeida Garrett e Rosa Infante, a Viscondessa da Luz.
Durante vários anos os dois trocaram correspondência e combinaram encontros furtivos em diversos pontos da localidade.
Em 1853, um ano antes da sua morte, Garrett publicou Folhas Caídas, um conjunto de poemas onde esta relação apaixonada surge como temática central, embora sem nunca revelar explicitamente a identidade da amada.
Entre eles, encontramos um poema melancólico intitulado "Cascais".

A Vila D. Pedro de Maria Amália Vaz de Carvalho
Natural de Lisboa, Maria Amália Vaz de Carvalho (1847-1921) mudou-se com a família para os arredores da capital aos quinze anos e foi no Palácio de Pinteús, em Loures, que iniciou a sua caminhada literária. Longe da capital encontrou conforto na escrita, inspirada pelas ilustres figuras que frequentavam a sua casa, por via das tertúlias que o pai organizava.
Mais tarde, ela própria se tornaria anfitriã de semelhantes encontros, pontuados com a presença dos principais nomes da literatura nacional.
Depois de enviuvar do poeta Gonçalves Crespo, mergulhou numa profunda crise emocional e Cascais tornou-se o seu refúgio preferencial. Pelo contributo histórico
fundamental que significou a publicação da Vida do Duque de Palmela D. Pedro de Sousa e Holstein (1898-1903), a Duquesa de Palmela acabaria por agraciá-la com a oferta da Vila D. Pedro, habitação localizada na Rua Fernandes Tomás, n.º 1, em Cascais. No livro
Pelo mundo fora (1896), Maria Amália Vaz de Carvalho recorda os tempos passados na vila com Oliveira Martins, aludindo à debilitação da saúde do amigo.

A Calçada da Assunção exaltada por Alberto Pimentel
Natural da cidade do Porto, Alberto Pimentel (1849-1925) será recordado como um dos escritores mais frutíferos e polivalentes da história da literatura portuguesa. Entre
romances, poesias, contos, crónicas, estudos históricos, e outros géneros menos catalogáveis, Alberto Pimentel é dono de uma extensíssima obra que ultrapassa as duas centenas de publicações em meio século de carreira literária.
Habitualmente leves e descontraídas, as crónicas de viagens integravam o lote dos seus géneros prediletos, pelo assumido prazer de viajar por Portugal, à descoberta de novas tradições e vivências.
Numa destas publicações, intitulada Sem passar a fronteira (1902), o autor viajante dedica o segundo capítulo do livro inteiramente a Cascais, com uma junção de vários artigos e folhetos de publicações periódicas.
Descreve alguns episódios relacionados com a época balnear, faz um elogio a diversas praias da costa, mas o que se destaca mais é, sem dúvida, o texto lisonjeiro que dedica à Calçada da Assunção (actual Rua Marques Leal Pancada), do qual se segue um pequeno trecho.

O Chalet Leitão de Ruben A.
Primo da célebre poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen, o escritor Ruben A. (1920-1975) desde cedo se habituou a passar as férias de Verão no Chalet Leitão, em Cascais.
Torna-se residente permanente da habitação no virar da década de 40, quando frequenta o curso de Ciências Histórico-Filosóficas, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
No primeiro ano da sua vida académica, em vésperas de ser chamado a fazer a recruta militar, Ruben A. fez do Chalet Leitão um ponto de encontro para os seus amigos e colegas universitários, onde se contam figuras ilustres como Almada Negreiros, António Duarte e Barata Feyo, entre outros.
Também nessa altura a casa recebeu vários refugiados da Segunda Guerra Mundial, que aguardavam avidamente em Cascais pela documentação que lhes permitisse deixar o continente europeu.

As bibliotecas itinerantes de Branquinho da Fonseca
Oriundo de Mortágua, António José Branquinho da Fonseca (1905-1974) colocou o seu nome no mapa literário nacional bem cedo, através da criação da revista Presença (1927), modelarmente inspirada na afamada Orpheu (1915). Juntamente com os bons amigos José Régio e João Gaspar Simões, notabilizaram se por dar o mote a uma nova fase do movimento modernista através desta publicação. Mais tarde, Branquinho da Fonseca assumiria o cargo de conservador do Museu-Biblioteca Conde de Castro Guimarães, em Cascais, onde o valor inestimável do seu contributo ainda hoje é recordado.
Para além do processo de renovação que trouxe mais livros e leitores, o então conservador criou as bibliotecas itinerantes, ação inovadora e determinante para a aproximação das comunidades às bibliotecas.
Na sua vasta obra poética podemos encontrar um poema exclusivamente dedicado às bibliotecas.

A Casa de S. Bernardo e as caminhadas de Eça de Queiroz por Cascais
Nome indispensável da história da literatura portuguesa, Eça de Queiroz (1845-1900), imortalizou-se com a publicação de obras essenciais como O Mistério da Estrada de Sintra(1870, em colaboração com o amigo Ramalho Ortigão), O Crime do Padre Amaro (1875) e, claro, Os Maias (1888).
Em paralelo com a sua carreira literária, Eça constrói um percurso importante enquanto cônsul de Portugal, somando passagens por Havana, Newcastle, Bristol e Paris. Por entre tanta viagem, Cascais emergiu sempre como destino obrigatório na época balnear.
A convite do amigo conde de Arnoso, Eça de Queiroz ficava inúmeras vezes na Casa de S. Bernardo (na atual Avenida Rei Humberto II de Itália), local onde se reuniam invariavelmente os autodenominados ‘Vencidos da Vida’, grupo de intelectuais ‘resignados’, do qual faziamparte figuras como Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro ou o conde de Sabugosa.
Quando não estava na amena cavaqueira com amigos, Eça de Queiroz gostava de passear pela costa, muitas vezes em percursos mais extensos do que o previsto.

Fernando Pessoa e o sossego de Cascais
Considerado um dos poetas mais influentes do século XX, Fernando Pessoa (1888-1935) habituou-se desde cedo a exercer funções de editor, tipógrafo, tradutor ou publicitário, de forma a subsistir financeiramente em Lisboa.
Em paralelo, geria a sua prolífera produção literária, onde se contam mais de 70 pseudónimos, heterónimos e semiheterónimos diferentes. Esta vida agitada de Pessoa fê-lo desenvolver um especial apreço por refúgios pontuais na Costa do Sol, destino turístico que despontou em meados dos anos 20.
Passava os dias em Cascais, ou então aproveitava para visitar a casa da irmã, que se instalaria no Estoril.
Foi um cúmplice decisivo na encenação do misterioso desaparecimento do astrólogo inglês Aleister Crowley na Boca do Inferno.
A mudança definitiva para Cascais sempre foi uma vontade expressa por Fernando Pessoa, que chegou a candidatar-se para o lugar de conservador do MuseuBiblioteca Conde de Castro Guimarães, sem sucesso.